segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Diario de Anne Frank- Parte 8

Sexta-feira, 1 de Agosto de 1942
Querida Kitty :
Há um mês que não tenho feito caso de ti, mas nem
todos os dias acontecem coisas novas. No dia 13 de Julho
chegaram os van Daans. Só os esperávamos no dia 16.,
mas como justamente naqueles dias toda a gente andava
muito agitada por os alemães convocarem de cada vez
mais judeus, os van Daans preferiram partir da sua casa
antes que fosse tarde de mais. Pela manhã, às nove e meia
-estávamos ainda a tomar o pequeno almoço - entrou o
Peter van Daan, um rapazote de dezasseis anos, enfadonho,
bastante tímido, que não promete vir a ser um companheiro
interessante. Meia hora mais tarde apareceu o
casal van Daan. Rimo-nos muito por a sra. van Daan
trazer na chapeleira um vaso de noite. "Sem vaso de noite
não posso viver", disse ela, e pôs a peça valiosa no seu
lugar debaixo da cama. Ele, o sr. van Daan, não trazia
váso, mas apareceu com uma mesinha de chá de dobrar,
debaixo do braço. No primeiro dia estivemos sentados
todos juntos, num ambiente simpático, e passados três
dias, tínhamos a impressão de termos sido sempre uma
grande família. Os van Daans assistiram a muita coisa
em toda aquela semana que ainda passaram fora da toca,
e era disso que nos falavam. A nós interessava-nos muito,
em especial o que tinha sucedido à nossa casa e ao sr.
Goudsmit.
E o sr. van Daan contou :
-Segunda-feira, às nove horas da manhã, o sr. Gouds
mit telefonou-me para ir ter com ele. Mostrou-me o papelinho que vocês tinham deixado ficar
(para ele levar o
gato ao vizinho). Ele tinha um medo terrível de que a
polícia revistasse a casa e, por isso, limpámos um bocado
a mesa. De repente descobri no calendário em cima da
escrivaninha da sra. Frank um apontamento com uma
direcção qualquer em Maastricht. Eu sabia este "desleixo"
intencional, mas fingi-me admirado e assustado e pedi
ao sr. Goudsmit para, com toda a urgência, queimar aquele
malfadado papel. Ao mesmo tempo ia dizendo que não
fazia a menor ideia da vossa intenção de desaparecer.
De repente foi como se se fizesse luz no meu espírito.
- Sr. Goudsmit -, disse, - agora estou a perceber o que
quer dizer essa direcção. Há mais ou menos meio ano apareceu-nos no escritório um oficial
alemão de alta patente, um amigo de infância do sr. Frank. Ora, esse oficial prometeu
ao sr. van Daan ajudá-lo se ele, um dia, estivesse
em perigo aqui. E esse oficial estava precisamente estacionado
em Maastricht! Suponho que cumpriu a promessa
e que levará os Franks à Bélgica e de lá para junto dos
parentes deles na Suiça. Pode contar isso aos amigos
que perguntem pelos Franks, mas não mencione Maastricht,
por favor.
Depois fui-me embora. A história correu e até já me
foi contada a mim próprio por várias vezes, segundo esta
mesma versão.
Achámos a coisa deliciosa e rimo-nos ainda bastante da
força de imaginação dalgumas pessoas! O sr. van Daan
contou que uma família pensava ter-nos visto quando
partimos de bicicleta de manhã cedo, todos juntos. Uma
outra senhora sabia categòricamente que um automóvel
militar nos foi buscar em plena noite.
Tua Anne.
Sexta feira, 21 de Agosto de 1942
Querida Kitty:
O nosso "esconderijo" é agora perfeito. O sr. Kraler
teve a boa ideia de tapar a porta de entrada do anexo.
A polícia anda a fazer muitas buscas às casas por causa
das bicicletas escondidas. O sr. Vossen executou um plano:
construir uma estante giratória que abre para o lado como
uma porta. É claro que, para isso, o sr. Vossen teve de
"entrar no segredo" e está a ser muito prestável. Agora, antes
de descermos, temos de nos curvar e depois damos um saltinho
porque o degrau desapareceu.
Ao cabo de três dias tínhamos todos a testa cheia de
galos, porque como não tomávamos cautela e não estávamos
habituados, batíamos quase sempre contra a portinha.
Agora pregámos-lhe uma almofadinha de serrim.
Vamos a ver se serve para alguma coisa.
Não leio muito. Tem-me esquecido quase tudo o que
aprendi na escola. A nossa vida aqui é pouco variada.
O sr. van Daan e eu pegamo-nos a cada passo. Ele, já se vê,
acha a Margot muito mais engraçada do que eu. A mãe
trata-me como se eu fosse um bebé, coisa que não suporto.
O Peter também não tem piada. É aborrecido e mandrião.
Passa a maior parte do dia estendido na cama, por vezes
levanta-se, carpinteira um bocado e volta de novo a dormitar.
Um autêntico palerma!
Está calor e nós preguiçamos na cadeira de lona, lá
em cima, no sótão grande.
Tua Anne.

Quarta-feira, 2 de Setembro de 1942
Querida Kitty:
O sr. van Daan zangou-se com a mulher. Nunca vi
tal coisa na minha vida. O meu pai e a minha mãe não
eram capazes de gritar assim um com o outro. O motivo
foi tão insignificante que nem vale a pena falar nele.
Mas enfim, cada um é como é. Para o Peter não deve
ser nada agradável assistir a zangas dessas. Mas ele, de
resto, ninguém o toma a sério por ser tão preguiçoso
e tão mimalho. Ontem estava todo aflito porque tinha a
língua azul. Mas pouco depois já lhe tinha passado, e
hoje anda com um cachecol grosso à volta do pescoço,
diz que tem lumbago e dores nos pulmões, no coração
e nos rins. Calcula, mais nada! Este jovem está-me a
sair um belíssimo hipocondríaco! (É assim que se diz,
não é?)
A minha mãe e a sra. van Daan não se dão lá muito
bem, e realmente há razões bastantes para isso. Só um
exemplo: a sra. van Daan só deixou ficar três lençóis no
armário das roupas brancas, usado em comum por eles
e por nós. Tinha ela a intenção simpática de poupar os
lençóis dela e de usar os nossos. Há-de ficar muito espantada,
quando descobrir que a mãe lhe seguiu o bom
exemplo... Madame também se enfurece toda quando pomos
a uso a louça dela e não a nossa. Anda constantemente a
ver se descobre o que foi feito da nossa porcelana e nem
suspeita que esta se encontra tão perto dela, no sótão,
atrás de vários materiais de reclame, onde está bem guardadinha
e onde ficará "mergulhada" tanto tempo como
nós. A pouca sorte persegue-nos. Ontem deixei cair um
prato de sopa.
-Oh! - gritou ela, furiosa - toma cautela. É tudo que me resta!-Mas o sr. van Daan é agora a
amabilidade
em pessoa para comigo.
A mãe voltou a pregar-me um grande sermão, hoje
pela manhã. Acho isto horrível. As nossas opiniões são
demasiado diferentes. O pai tem mais compreensão, mesmo
se às vezes fica zangado durante cinco minutos.
Na semana passada houve um incidente. O motivo
foi um livro sobre mulheres e... o Peter. Ainda não te disse
que a Margot e o Peter têm licença para ler quase todos os
livros que o sr. Koophuis nos traz da biblioteca. Mas esse
tal livro os "grandes" não lhos queriam dar.
claro está, a curiosidade do Peter ficou espicaçada.
O que estaria escrito num livro proibido? Tirou-o, à
sucapa, à sua mãe quando ela estava cá em baixo. Escondeu-se
com a presa debaixo do telhado. Durante dois dias
tudo correu bem. A mãe tinha dado fé, mas não o traiu.
Mas depois o pai descobriu tudo. Zangou-se, tirou-lhe o
livro e pensou que o assunto estava resolvido. Não contava
com a curiosidade do filho que não achou a intenção
do pai razoável e por isso não desistiu. Procurou, por todos
os meios, apanhar o livro outra vez. A sra. van Daan,
entretanto, tinha falado com minha mãe sobre o assunto.
Minha mãe também achava que aquele livro não era
próprio para a Margot, apesar de a deixar ler todos os
outros livros.
-Entre a Margot e o Peter há uma grande diferença,
sra. van Daan,-disse a mãe.-Em primeiro lugar, as raparigas
são quase sempre mais desenvolvidas do que os rapazes
e depois a Margot já leu muitos livros, livros sérios e
notáveis, e, além disso, ela está mais avançada no que
respeita ao raciocínio e à cultura. Não se esqueça de que ela
tem o curso dos liceus quase completo.
Em princípio, a sra. van Daan concordava, embora
não achasse necessário darem-se aos jovens os livros que,
na realidade, eram destinados aos adultos.
O Peter aproveitou a ocasião para se apoderar do livro.
Quando, à noite, toda a família se reuniu no escritório
particular, para ouvir rádio, levou ele o seu tesouro para
o sótão. às oito e meia devia voltar para baixo, mas o
livro era tão palpitante que não reparou nas horas. Vinha
precisamente a descer a escada do sótão com muita cautela quando o seu pai entrou no quarto.
Podes imaginar
o que se seguiu... Ouviu-se o estalar de uma bofetada
retumbante. Um empurrão, o livro voou por cima da
mesa e o Peter para o canto do quarto. O casal van Daan
apareceu à mesa sem Peter, que foi obrigado a ficar em
cima. Ninguém fez caso. Diziam que, de castigo, ia para
a cama sem comer. Passámos à ordem do dia e comemos.
De repente... um assobio penetrante... Ficámos como que
petrificados e pálidos. Olhámos uns para os outros. Os
talheres cairam-nos das mãos. Depois ouvimos a voz de
Peter através do cano do fogão :
-Se pensam que desço, estão muito enganados.
O sr. van Daan deu um pulo da cadeira e gritou,
vermelho como um tomate:
-Agora basta!
O pai, receando zaragata, agarrou-lhe no braço e
subiram assim os dois. Depois de muita resistência e demasiado
barulho, o Peter acabou por voltar ao seu quarto,
onde ficou fechado à chave. A sua boa mãezinha quis
guardar-lhe um pão com manteiga, mas o sr. papá mostrou-se
inflexível.
-Se ele se não resolve a pedir desculpa imediatamente,
irá dormir para o sótão!
Protestámos e dissemos que já era castigo suficiente
ter o rapaz ficado sem jantar. E se o Peter se constipasse
não havia possibilidade de ir buscar um médico.
O Peter não pediu desculpa e ficou no sótão. O sr.
van Daan não lhe ligou importância, mas na manhã
seguinte pôde verificar que o Peter, afinal, tinha dormido
na sua cama. às sete horas, porém, o rapaz subiu,
de novo, para o sótão e foi preciso o meu pai intervir com
algumas palavrinhas conciliadoras para que ele descesse.
Durante três dias tivemos caras carrancudas e um silêncio
teimoso. Depois tudo regressou à velha ordem.
Tua Anne.

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