Sexta-feira, 3 de Julho de 1942
Querida Kitty:
Ontem esteve cá o Harry. Quis conhecer os meus pais.
Eu tinha ido buscar torta, doces e bolachas e tomámos
chá. Ao Harry e a mim não nos apetecia nada ficar em casa
quietinhos. Saímos, demos um passeio e eram oito e dez
quando ele me deixou em casa.
O pai estava zangadíssimo por eu chegar tão tarde,
que era muito perigoso, para judeus, andar pelas ruas
depois das oito.
Prometi de hoje em diante estar sempre em casa,
pontualmente, às oito menos dez minutos. Amanhã estou
convidada para ir a casa do Harry. A minha amiga Jopie faz
troça de mim por causa dele. Mas não estou apaixonada. Então
não posso ter um amigo? Ninguém acha mal que tenha um
amigo ou-como costuma dizer a mãe-um cavalheiro.
Eva contou-me que o Harry esteve o outro dia em casa
dela e que ela lhe perguntou :
- Quem achas mais simpática,.a Fanny ou a Anne?
-Não tens nada com isso-respondeu ele.
Então não falaram mais no assunto, mas ao despedir-se
o Harry disse:
-A Anne é mais simpática, claro, mas não precisas de
falar nisso a ninguém.
As últimas palavras já foram ditas na rua.
Sinto que o Harry está apaixonado por mim e, para
variar, isto é engraçado. A Margot dizia :
- Um tipo simpático.
- Acho-o também simpático, mais até do que simpático.
A mãe anda encantada com ele.
-Um rapaz bonito, muito gentil e bem educado.
Ainda bem que o Harry agrada tanto a toda a família.
Ele também nos acha a todos muito simpáticos. Só acha
a minha amiga infantil e não deixa de ter razão.
Tua Anne.
Domingo, 5 de Julho de 1942
Querida Kitty:
A festa do fim do período correu lindamente. As minhas
notas não são nada más. A pior nota é um cinco em Álgebra;
tenho dois seis, sete em quase tudo e dois
oitos.
Cá em casa ficaram satisfeitos. Não ligam grande
importância às notas boas ou más, dão mais valor ao bom
comportamento e querem acima de tudo que eu tenha
saúde e seja alegre. Dizem eles que havendo saúde e boa
disposição, o resto vem por si, mas eu gostava de ser uma
boa aluna a valer.
Só me admitiram no liceu condicionalmente por me
faltar ainda o último ano da Escola Montessori. A coisa
foi assim:
Quando todos os alunos judaicos tiveram de mudar-se
para escolas judaicas, o reitor, depois de muito palavriado,
admitiu-me a mim e à Lies, mas com muitas reservas.
E agora não quero desiludi-lo. Minha irmã Margot teve
notas brilhantes, como de costume. Se houvesse louvores
ela passaria - com distinção e louvor, a mais alta classificação, pois é muito inteligente.
O pai, desde que não pode ir ao escritório, passa muito
tempo em casa. Deve ser uma sensação horrível, isto de
uma pessoa se sentir, de repente, posta de parte. O sr.
Koophus tomou conta da - Travis - juntamente com o
sr. Kraler, da firma Kolen & C.o, de que o pai também
era sócio. Quando, há uns dias, andávamos a passear, o
pai disse-me que decerto teríamos de - mergulhar -. Disse que nos iria custar muito viver
isolados do mundo.
Perguntei porque é que falava assim.
-Bem sabes - disse ele - que há mais de um ano estamos
a levar o vestuário, a mobília e os comestíveis para
casa de outras pessoas. Não queremos deixar cair o que é
nosso nas unhas dos alemães. E ainda menos queremos,
nós próprios, cair-lhes nas mãos. Por isso não vamos esperar
até que nos venham buscar.
O rosto muito sério do meu pai inquietou-me.
-Então, quando, pai?
-Não te preocupes, minha filha. Sabê-lo-ás a tempo.
Goza a tua liberdade enquanto for possível.
Foi tudo. Oxalá que o tal dia ainda venha longe!
Tua Anne.
Querida Kitty:
Ontem esteve cá o Harry. Quis conhecer os meus pais.
Eu tinha ido buscar torta, doces e bolachas e tomámos
chá. Ao Harry e a mim não nos apetecia nada ficar em casa
quietinhos. Saímos, demos um passeio e eram oito e dez
quando ele me deixou em casa.
O pai estava zangadíssimo por eu chegar tão tarde,
que era muito perigoso, para judeus, andar pelas ruas
depois das oito.
Prometi de hoje em diante estar sempre em casa,
pontualmente, às oito menos dez minutos. Amanhã estou
convidada para ir a casa do Harry. A minha amiga Jopie faz
troça de mim por causa dele. Mas não estou apaixonada. Então
não posso ter um amigo? Ninguém acha mal que tenha um
amigo ou-como costuma dizer a mãe-um cavalheiro.
Eva contou-me que o Harry esteve o outro dia em casa
dela e que ela lhe perguntou :
- Quem achas mais simpática,.a Fanny ou a Anne?
-Não tens nada com isso-respondeu ele.
Então não falaram mais no assunto, mas ao despedir-se
o Harry disse:
-A Anne é mais simpática, claro, mas não precisas de
falar nisso a ninguém.
As últimas palavras já foram ditas na rua.
Sinto que o Harry está apaixonado por mim e, para
variar, isto é engraçado. A Margot dizia :
- Um tipo simpático.
- Acho-o também simpático, mais até do que simpático.
A mãe anda encantada com ele.
-Um rapaz bonito, muito gentil e bem educado.
Ainda bem que o Harry agrada tanto a toda a família.
Ele também nos acha a todos muito simpáticos. Só acha
a minha amiga infantil e não deixa de ter razão.
Tua Anne.
Domingo, 5 de Julho de 1942
Querida Kitty:
A festa do fim do período correu lindamente. As minhas
notas não são nada más. A pior nota é um cinco em Álgebra;
tenho dois seis, sete em quase tudo e dois
oitos.
Cá em casa ficaram satisfeitos. Não ligam grande
importância às notas boas ou más, dão mais valor ao bom
comportamento e querem acima de tudo que eu tenha
saúde e seja alegre. Dizem eles que havendo saúde e boa
disposição, o resto vem por si, mas eu gostava de ser uma
boa aluna a valer.
Só me admitiram no liceu condicionalmente por me
faltar ainda o último ano da Escola Montessori. A coisa
foi assim:
Quando todos os alunos judaicos tiveram de mudar-se
para escolas judaicas, o reitor, depois de muito palavriado,
admitiu-me a mim e à Lies, mas com muitas reservas.
E agora não quero desiludi-lo. Minha irmã Margot teve
notas brilhantes, como de costume. Se houvesse louvores
ela passaria - com distinção e louvor, a mais alta classificação, pois é muito inteligente.
O pai, desde que não pode ir ao escritório, passa muito
tempo em casa. Deve ser uma sensação horrível, isto de
uma pessoa se sentir, de repente, posta de parte. O sr.
Koophus tomou conta da - Travis - juntamente com o
sr. Kraler, da firma Kolen & C.o, de que o pai também
era sócio. Quando, há uns dias, andávamos a passear, o
pai disse-me que decerto teríamos de - mergulhar -. Disse que nos iria custar muito viver
isolados do mundo.
Perguntei porque é que falava assim.
-Bem sabes - disse ele - que há mais de um ano estamos
a levar o vestuário, a mobília e os comestíveis para
casa de outras pessoas. Não queremos deixar cair o que é
nosso nas unhas dos alemães. E ainda menos queremos,
nós próprios, cair-lhes nas mãos. Por isso não vamos esperar
até que nos venham buscar.
O rosto muito sério do meu pai inquietou-me.
-Então, quando, pai?
-Não te preocupes, minha filha. Sabê-lo-ás a tempo.
Goza a tua liberdade enquanto for possível.
Foi tudo. Oxalá que o tal dia ainda venha longe!
Tua Anne.
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