terça-feira, 8 de novembro de 2011

O Diario de Anne Frank- Parte 2

Sábado, 20 de Junho de 1942
Durante uns dias não escrevi nada porque, primeiro
quis pensar seriamente na finalidade e no sentido de um
diário. Experimento uma sensação singular ao escrever
o meu diário. Não é só por nunca ter - escrito -, suponho
que, mais tarde, nem eu nem ninguém achará interesse
nos desabafos de uma rapariga de treze anos. Mas na
realidade tudo isso não importa. Apetece-me escrever e
quero aliviar o meu coração de todos os pesos.
- O papel é mais paciente do que os homens -. Era
nisso que eu pensava muitas vezes quando, nos meus dias
melancólicos, punha a cabeça entre as mãos e sem saber
o que havia de fazer comigo. Ora queria ficar em casa,
ora queria sair e, a maior parte das vezes, ficava-me a
cismar sem sair do sítio. Sim, o papel é paciente! E não
tenciono mostrar este caderno com o nome pomposo de
- Diário - seja a quem for, a não ser que venha a encontrar
na minha vida o tal - grande amigo - ou a tal - grande
amiga -.
De resto, a mais ninguém poderá interessar o que
vou escrever. E pronto!, cheguei ao ponto principal de
todas estas considerações: não tenho uma verdadeira amiga!,
vou-me explicar melhor, pois ninguém pode compreender
que uma rapariga de treze anos se sinta só. É, de facto,
coisa estranha. Tenho pais simpáticos e bons, tenho uma
irmã de dezasseis anos, ao todo, por aí uns trinta conhecidos
ou o que se chama geralmente - amigos -. Tenho
uma comitiva de admiradores que me fazem todas as
vontades. Mesmo na aula tentam ver-me o rosto com um
espelhinho de bolso e só se dão por satisfeitos quando
lhes sorrio. Tenho parentes, tias e tios, muito simpáticos,
uma casa bonita, e, pensando bem, não me falta nada,
senão uma amiga! Com todos os meus numerosos conhecidos,
só consigo fazer tolices ou falar sobre coisas banais.
Não me é possível abrir-me, sinto-me como que "abotoada".
Pode ser que esta falta de confiança seja defeito meu.
Mas não há nada a fazer e tenho pena de não poder
modificar as coisas.
Por tudo isto é que escrevo um diário. E para evocar na
minha fantasia a ideia da amiga há tanto tempo desejada,
não quero, como qualquer pessoa, assentar só factos. Este
diário é que há-de ser a minha amiga, e vou-lhe pôr um
nome. Essa amiga chama-se Kitty.
Seria incompreensível a minha conversa com a Kitty
se eu não contasse primeiro a história da minha vida,
embora sem grande vontade.
Quando meus pais casaram tinha o meu pai trinta e
seis anos e a minha mãe vinte e cinco. Minha irmã Margot
nasceu em 1926 em Frankfort sobre o Reno; em 12 de
Junho de 1929 vim eu. como somos judeus, emigrámos,
em 1933, para a Holanda, onde meu pai se tornou director
da Travis A-G. Esta firma trabalha em estreita ligação
com a Kolen 82 Go., no mesmo edifício.
A nossa vida decorria com as aflições do costume,
pois as pessoas de família que ficaram na Alemanha não
escaparam às perseguições de Hitler. Depois dos "progroms"
de 1938 os dois irmãos de minha mãe fugiram
para a América. Minha avó veio viver connosco. Tinha
nessa altura setenta e três anos. A partir de 1940 foram-se acabando os bons tempos. Primeiro
veio a guerra, depois
a capitulação, em seguida a entrada dos alemães. E então
começou a miséria. A uma lei ditatorial seguia-se outra;
e, em especial para os judeus, as coisas começaram a ficar
feias. Obrigaram-nos a usar a estrela e a entregar as bicicletas, não nos deixavam andar nos
carros eléctricos e muito menos de automóvel.
Os judeus só podiam fazer compras das 3 às 5 horas-e
só em lojas judaicas. Não podiam sair à rua depois das
oito da noite e nem sequer ficar no quintal ou na varanda.
Não podiam ir ao teatro nem ao cinema, nem frequentar
qualquer lugar de divertimentos. Também não podiam
nadar, nem jogar tenis. ou hóquei, nem praticar qualquer
outro desporto. Os judeus não podiam visitar os criStãos.
As crianças judaicas eram obrigadas a frequentar escolas judaicas. cada vez saíam mais
decretos... Toda a nossa
vida estava sujeita a enorme pressão. Jopie dizia a cada
passo: "Já nem tenho coragem para fazer seja o que for
porque tenho sempre medo de fazer qualquer coisa que
seja proibida".
Em Janeiro deste ano morreu a avózinha. Ninguém
imagina quanto eu gostava dela e que falta me tem feito.
Em 1939, mandaram-me para o jardim-escola - Montessori -.
Depois estudei ainda as primeiras classes primárias naquela
escola. No último ano, a directora, a sra. K., era chefe da
minha turma. No fim do ano despedimo-nos comovidas,
e ambas chorámos muito. Desde o ano passado a Margot
e eu frequentamos o Liceu judaico; ela está no quarto
ano e eu no primeiro.
Nós, os quatro da família, ainda não temos muito de
que nos queixar. Estamos bem. E assim cheguei ao presente,
à data de hoje.

Sábado, 20 de Junho de 1942
Querida Kitty:
Vou começar já. Está tudo tão calmo! O pai e a mãe
saíram e a Margot foi a casa de uma amiga jogar o pingue
pongue. Também me apaixonei ùltimamente por este jogo.
Como nós, os jogadores de pinguepongue, gostamos imenso
de tomar sorvetes, o jogo acaba quase sempre numa excursão
a qualquer das confeitarias onde os judeus ainda podem
entrar: "Delphi" ou "Oasis". Não importa se temos muito
ou pouco dinheiro no porta-moedas. As duas confeitarias
estão tão cheias que entre toda aquela gente sempre se
encontram rapazes das nossas relações ou até um ou outro
admirador. E tantos sorvetes nos querem oferecer que nem
numa semana seríamos capazes de os tomar todos.
Presumo que ficaste admirada por eu, apesar de tão
nova, já falar em admiradores. Infelizmente esta desgraça
é inevitável na nossa escola. Quando um dos rapazes
pergunta se pode acompanhar-me a casa de bicicleta é
certo e sabido que se apaixona logo por mim e que não me
perde de vista durante algum tempo. Depois, pouco a
pouco, vai acalmando, sobretudo porque eu faço de
; conta que não vejo os olhares apaixonados e continuo
alegremente a pedalar. Se, por vezes, aquilo passa das
marcas, ponho-me a fazer umas habilidades na bicicleta,
a minha pasta cai ao chão e, por amabilidade, o rapaz
; vê-se obrigado a descer. Apanha a pasta e até ma entregar
tem tempo para se acalmar. Estes ainda assim são os mais
inofensivos, mas há também alguns que nos atiram beijos
ou nos tocam no braço. Mas comigo a coisa não pega.
Quando isso sucede, desço da bicicleta e declaro que lhes
dispenso a companhia ou finjo-me ofendida e mando-os passear.
E pronto, Kitty, foi colocada a primeira pedra da
nossa amizade. Até amanhã!
Tua Anne.

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