quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Diario de Anne Frank- Parte 3

Domingo, 21 de Junho de 1942
Querida Kitty:
Toda a nossa turma treme: a Reunião de conselho dos
professores está à porta. Metade da turma passa o tempo
a apostar quem passa de classe e quem chumba. A Miep
de Jong e eu escangalhamo-nos a rir por causa das nossas
companheiras de carteira que já apostaram todo o seu
dinheiro de bolso. De manhã à noite andam a rezar: "Tu
passas, tu chumbas, sim, não..." Nem os olhares suplicantes
da Miep nem as minhas sérias tentativas para as meter
na ordem conseguem nada daquela gente. Há tantos
mandriões na minha turma que eu, se mandasse, reprovava
metade. Os professores são as pessoas mais caprichosas
do mundo, mas talvez sejam, neste caso, caprichosos no
bom sentido.
Dou-me razoavelmente com os professores e com as
professoras. Ao todo são nove, sete homens e duas senhoras.
O sr. Kepler, o velho professor de matemática, ao princípio
embirrava comigo, por eu palrar muito. Andava
constantemente a avisar-me, até que me marcou um
trabalho de castigo. Mandou-me fazer uma redacção sobre
o tema: "Uma tagarela." Uma tagarela! O que se poderia
escrever sobre isto? Mas não me afligi. Meti o caderno de
exercícios na pasta e esforcei-me por estar calada. à noite,
depois de acabados todos os outros deveres, lembrei-me da
redacção. Roí um bocadinho a pena e pensei no assunto:
escrever umas tretas e com as palavras tanto quanto possível
distanciadas, toda a gente sabe. Mas encontrar uma razão
evidente da necessidade de palrar, aí é que estava o grande
problema. Pensei e tornei a pensar. De repente as palavras
surgiram. Enchi as três folhas obrigatórias, rapidamente,
sem cessar. Aquilo saiu-me bem. Como argumento aleguei que palrar era próprio das mulheres e
que eu de bom
grado faria esforços para me emendar se a minha mãe
não falasse tanto como eu. E, como era sabido, contra
defeitos hereditários pouca coisa se podia fazer.
O sr. Kepler riu-se da minha explicação. Quando na
próxima aula palrei de novo, foi-me marcada outra redacção:
a "tagarela incurável". Lá a escrevi como pude e
durante duas aulas portei-me lindamente. Mas na terceira
aula já não sucedeu o mesmo, e o sr. Kepler achou que
o meu mau comportamento passava das marcas:
- Anne, como castigo por causa da tua tagarelice, vais
fazer uma redacção: cá, cá, cá, cá, a menina que cacareja.
A turma riu a bandeiras despregadas. Também ri, embora
me parecesse que tinha esgotado o meu espírito inventivo
para redacções sobre o palrar. Tinha de encontrar alguma
coisa de novo, de original. A minha amiga Sanne, poetisa
consumada, aconselhou-me a tratar o assunto em verso
e pôs o seu talento à minha disposição. Fiquei entusiasmada.
O Kepler queria fazer pouco de mim, mas eu podia pregar-lhe
uma partida ainda pior.
Fizemos um poema que foi um sucesso. Tratava de
uma mamã de patos e de um "pai cisne". com três patinhos
que, por causa de tanto cacarejar, foram mordidos pelo
pai até morrerem. Felizmente o Kepler compreendeu a
brincadeira e leu o poema em voz alta na nossa e nas
outras turmas. Desde então posso palrar sem que o Kepler
me mande fazer redacções de castigo, mas passou a dizer-me
a cada passo uma piadinha.
Tua Anne.

Quarta-feira, 24 de Junho de 1942
Querida Kitty:
Está a escaldar. Todos bufam e transpiram, e por um
calor destes tenho de andar a pé. só agora compreendo
como é bom o carro eléctrico, sobretudo as carruagens
abertas. Mas é um prazer que já não existe para nós, os
judeus. Temos de nos contentar com "as irmãs perninhas".
Ontem,,à hora do almoço, tive de ir ao dentista na
Jan Luykenstraat. É uma caminhada longa desde a nossa
escola, que fica junto do jardim público. Na aula da tarde,
de cansada, por pouco, ia adormecendo. O que vale é que
ainda há pessoas amáveis que nos oferecem de beber
meSmo sem pedirmos nada. A "irmã" no dentista compreende
a nossa situação.
Só um meio de transporte nos é ainda permitido:
-a barca. No molhe de Joseph-Israel há um barquinho,
que a nosso pedido nos leva à outra margem. Em boa verdade,
não é por culpa dos holandeses que a vida é dura
para os judeus.
Ai, se não precisasse de ir para a escola! Durante
as férias da Páscoa roubaram-me a bicicleta, o pai pôs
a da mãe em segurança, em casa de gente conhecida!
Felizmente as férias estão à vista, mais uma semana e estou
livre disto!
Ontem, da parte da manhã, aconteceu-me uma coisa
engraçada. Quando passei por aquele sítio onde costumava
guardar a minha bicicleta, ouvi chamar. Virei-me. Atrás
de mim vinha um rapaz simpático que, na noite anterior,
tinha encontrado na casa da Eva, uma conhecida minha.
Um pouco tímido, disse-me o seu nome: Harry Goldberg.
Fiquei admirada, não sabia bem o que ele queria de mim.
Mas, num instante, fiquei a saber. Queria acompanhar-me
à escola.
Se tens o mesmo caminho, então está bem, disse eu
e caminhámos lado a lado. O Harryjá tem dezasseis anos
e sabe falar com graça sobre muitas coisas. Hoje, de manhã,
estava, de novo, à minha espera e, para já, penso que assim
há-de continuar algum tempo.
Tua Anne.

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