Sábado, 3 de Outubro de 1942
Querida Kitty:
Ontem houve aqui grande zaragata. A mãe contou
todas as minhas travessuras ao pai, mas exagerou muito.
Chorou. Também chorei, e já tinha andado todo o dia
cheia de dores de cabeça. Eu então disse ao pai que gostava
mais dele do que da mãe. O Pim disse que isso havia de
passar, mas eu não acredito. Tenho de fazer grandes
esforços para ficar calma quando falo com a mãe. O pai
quer que a ajude, e lhe preste serviços quando ela se não
sente bem, mas eu não quero.
Estudo muito francês e estou a ler La belle Nivernaise.
Tua Anne.
Sexta-feira, 9 de Outubro de 1942
Querida Kitty!
Hoje só te posso dar notícias tristes e deprimentes.
Os nossos amigos e conhecidos judaicos são deportados
em massa. A Gestapo trata-os sem a menor consideração.
Em vagões de gado leva-os para yVesterbork, o campo
para judeus. Westerbork deve ser um sítio horrível. Estão
lá milhares de pessoas e nem há sequer lavatórios nem W.C.
que, de longe, cheguem para todos. Conta-se que as pessoas
dormem em barracas, homens, mulheres e crianças,
todos misturados. Não podem fugir: quase todos se podem
identificar pelas cabeças rapadas ou então pelo seu tipo
judaico.
Se já na Holanda as coisas se passam deste modo, como
há-de ser então nos sítios longínquos para onde levam
essa gente? A emissora inglesa fala de câmaras de gás.
De qualquer forma talvez seja a câmara de gás a maneira
mais rápida de se morrer... A Miep falou-nos de acontecimentos
terríveis e está excitadíssima. Ainda há pouco
encontrou, em frente da sua porta, uma velhinha manca.
Estava à espera do automóvel da Gestapo que recolhe as
pessoas umas após outras. A velha tremia de medo. Os
canhões da defesa atroavam os ares. Os raios dos projectores
cruzavam-se no céu, a trovoada dos aviões ingleses ecoava
entre as casas. Mas a Miep não teve coragem de arrastar
a mulherzinha para dentro da sua casa. Os alemães castigam
com dureza tais procedimentos.
Também a Elli está desanimada e triste. O seu noivo
foi levado para trabalhar na Alemanha. Ela receia que o
seu Dirk possa ser atingido quando há bombardeamentos.
Os aviões ingleses despejam milhões de quilos de bombas.
Piadinhas como: "Descansem, não lhes cairá em cima um milhão delas", ou "só uma bomba
chega bem", acho-as
grosseiras. O Dirk não foi o único que teve de partir.
Todos os dias saem comboios de jovens, forçados a ir.
Um ou outro consegue fugir pelo caminho ou "mergulhar",
mas são tão poucos! A minha cantiga triste ainda não
acabou. Já ouviste falar em reféns? Pois inventaram esta
coisa requintada. Parece-me o pior de tudo o que inventaram.
Gente inocente é presa. Se em qualquer parte se
dá uma "sabotage" e os autores não se encontrarem, fuzilam
simplesmente alguns dos reféns. Depois publicam a
notícia no jornal. E lembrar-me que também já fui alemã!
Hitler tirou-nos a nacionalidade há muito. Entre aquela
espécie de alemães-os hitlerianos-e os judeus existe uma
inimmizade como não pode haver mais forte em todo o
Mundo!
Tua Anne.
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