Terça-feira, 28 de Setembro de 1942
Querida Kitty:
Há sempre qualquer coisa para contar nesta casa!
Como não temos banheira, lavamo-nos numa celha.
E como no escritório (quero dizer em todo o andar de
baixo) há àgua quente, vamos os sete alternadamente para
baixo. Mas somos muito diferentes uns dos outros, no que
respeita ao pudor. Por isso, cada um, conforme a sua
maneira de ser, escolheu um ou outro lugar para o acto
de limpeza. Peter toma banho na cozinha, embora esta
tenha uma porta de vidro. Antes de começar a lavar-se,
avisa toda a gente e pede-nos que não passemos por
aquela porta durante uma meia hora.
O sr. van Daan prefere tomar banho em cima. Acha
que vale a pena carregar com a água quente, escada acima,
para poder gozar as comodidades do seu quarto. A sra. van
Daan, até hoje, ainda não tomou banho. Quer primeiro
estudar qual o lugar mais conveniente para ela. O pai
prefere o escritório particular e a mãe vai para detrás do
resguardo do fogão, na cozinha. A Margot e eu escolhemos
o escritório grande, para podermos chapinhar à vontade.
Todos os sábados, de tarde, fechamos as cortinas e assim,
no lusco-fusco, lavamo-nos. A que fica à espera, observa,
através de uma fenda das cortinas, o que se vai passando
lá fora e diverte-se com o vaivém tão patusco das pessoas.
Mas de há uma semana para cá, já não me agrada aquele
quarto de banho e tenho andado à procura de um sítio
mais confortável. O Peter teve uma ideia boa: propôs
que eu levasse as minhas coisas de banho para o grande
W.C. que pertence ao escritório. Aí, eu podia estar sozinha,
podia acender a luz, fechar a porta e, até, despejar a água
sem auxílio de ninguém. Hoje inaugurei o meu novo quarto de banho. Estou satisfeita.
Ontem esteve o picheleiro no andar de baixo para
deslocar os canos que ligam à canalização da nossa moradia.
Isto tinha que ser feito. De outro modo podia, no Inverno,
que talvez venha a ser rigoroso, gelar a água nos canos.
Essa visita foi para nós tudo, menos agradável. Não só
porque não se podia abrir uma torneira, mas também
porque não nos podiamos servir do W.C. Talvez não seja
lá muito elegante contar-te o que fizemos para remediar
o mal. Mas não sou tão pudica que não possa falar em tais
coisas. O pai e eu tínhamos tomado providências. Guardámos
alguns frascos de conserva de que agora nos servimos.
Forçosamente não podiam ser despejados e tinham de
ficar nos quartos. Mas achei isso menos repugnante do que
estar todo o dia quieta, sem poder falar. Tu não podes
imaginar quanto isto me custou a mim, que tanto gosto
de palrar. Vulgarmente já somos obrigados a falar muito
baixinho. Mas não falar mesmo nada e ficar sentada todo
o dia sem me mexer, acho que é dez vezes pior! Tinha o
rabo espalmado e nem o sentia; doeu-me durante três
dias. Passámos então a fazer ginástica todas as noites, o
que nos foi compondo.
Tua Anne.
Quinta-feira, 1 de Outubro de 1942
Querida Kitty:
Ontem apanhei um susto terrível. às oito tocou a
campainha e eu já estava a imaginar o pior-já sabes o
que quero dizer com isto. Mas todos disseram que aquilo
deviam ter sido garotos, e eu acalmei.
Agora os dias passam num silêncio! Na cozinha do
escritório trabalha um farmacêutico, o sr. Lewin, que está
a fazer experiências para a firma. Conhece bem a casa
toda, e andamos sempre com o receio de que lhe venha
a ideia de entrar no laboratório antigo. Estamos muito
quietos. Quem, há três meses, teria adivinhado que a Anne,
sempre tão mexida, tinha de estar tanto tempo quieta
numa cadeira, sem falar?
No dia 26, a sra. van Daan fez anos: não houve grande
festa. Demos-lhe flores, umas prendinhas e um jantar
melhorado. Já é velha tradição o marido oferecer-lhe
cravos vermelhos. Falando da sra. van Daan, quero confessar-te
uma coisa. As suas tentativas de "flirtar" com
meu pai aborrecem-me do fundo do coração. Ela passa-lhe
a mão sobre a cara e o cabelo e mostra-lhe com preferência
as suas "lindas" pernas. Faz esforÇos para ser espirituosa
e tenta, sempre que pode, chamar a atenção do Pim sobre
ela. Pim não a acha bonita nem simpática e as seduções
dela deixam-no de todo indiferente. Não sou ciumenta,
palavra, mas aquilo custa-me a suportar. Já lhe disse a
ela na cara que minha mãe não se porta assim com o
sr. van Daan.
O Peter, por vezes, tem piada. Temos ambos a paixão
das brincadeiras de Carnaval e divertimo-nos bastante
com isso. Outro dia apareceu ele encafuado num vestido
muito apertado de sua mãe, com um chapelinho na cabeça.
Eu vesti o fato dele e pus a sua boina; os adultos quase
que morriam de tanto rír e nós estivemos também
divertidíssimos.
Elli comprou no armazém saias para mim e para a
Margot, de má qualidade e muito caras. E mais alguma
coisa engraçada ela nos prometeu: vai tratar de nos arranjar
lições de estenografia por correspondência. No ano
que vem seremos estenógrafas perfeitas. Que bom a gente
poder aprender esta espécie de "código" secreto.
Tua Anne.
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